"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Amar, Drummond


"Que podes uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar.
Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação limitada a uma completa ingratidão
e na concha vazia do amor a procura medrosa
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. "

Amar - Carlos Drummond de Andrade
.

Nenhum comentário: