"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Carta ao Pai - Kafka

Enfim terminei "Carta ao pai", do Franz Kafka. É um clássico, e foi o mais enrolado por mim nos últimos tempos. Ninguém pode negar a riqueza do conteúdo. Kafka consegue demonstrar e passar com muitos detalhes o que ele sentia. Eu, sinceramente, fiquei com raiva dele. E no final acabo que meio concordando com o pai: ele não quer sair da sombra do velho! Ou não quer ou simplesmente não consegue. E inventa mil desculpas pra justificar isso: porque é inferior, isso é inconsciente e blá blá blá. Meu "blá blá blá" não é sinônimo de papo furado, estou falando é de muito falatório mesmo. Parece que Kafka quis que seu pai sofresse com a carta que mandou e que, acredito que foi melhor assim, não foi parar nas mãos do grandão graças à mãe. O livro é bom, é um prato cheio para avaliações psicológicas!


Uma coisa que me chamou muita atenção é a questão da palavra. Eu leio e estudo coisas sobre "cuidado com o que fala para uma criança", "uma palavra fere mais do que uma surra" e parece clichê, mas é verdade. A palavra tem muito poder, na vida de uma criança então nem se fala. Já pequeno Kafka ouviu mil coisas que o fizeram crescer já bem desestabilizado psicologicamente, inseguro demais, carente, sem nenhum pingo de autoestima... Ele escreveu mais de cem páginas pro pai! Gente, não é ficção! É a história dele! Pra um cara ter sentado a bunda numa cadeira e escrever mais de cem páginas cheias de rancor, mágoa, tristeza, insegurança para um pai autoritário e causador de toda a sua dor no MÍNIMO este pai deve ter sido muito, muito, muito duro. Duro nas palavras, nas atitudes, com os exemplos... Em tudo. Apesar de tudo isso, Kafka ama o seu pai. E quer ao mesmo tempo culpá-lo e livrá-lo da culpa/responsabilidade de seus fracassos. Agora, que é ele é muito vítima é. Muito.
Alguns trechos que gostei muito e que sintetizam o que quero lhes dizer a respeito da obra:

"Para mim sempre foi incompreensível tua falta total de sensibilidade em relação à dor e à vergonha que podias me infligir com palavras e veredictos; era como se tu não tivesses a menor noção da tua força". (p.31)
"Embora isso fosse raro, era maravilhoso. Por exemplo, quando nas tardes quentes de verão eu te via dormir um pouco na loja, cansado, depois do almoço, com os cotovelos apoiados no balcão, ou quando tu chegavas aos domingos, estafado, para visitar-nos nas férias de verão; ou a vez em que, mamãe estando gravemente doente, tu te apoiasse nas estantes de livros, trêmulo de tanto chorar; ou quando, na minha última doença, tu viste em silêncio me ver no quarto de Ottla, ficaste parado na soleira da porta, apenas esticaste o pescoço para me avistar na cama e, por consideração, só fizeste um cumprimento com a mão. Nesses momentos a gente ia se deitar e chorava de felicidade, e chora ainda agora enquanto escreve." (p.42) *-*
"Também é verdade que tu nunca bateste em mim de fato. Porém os gritos, o vermelhão do teu rosto, o gesto de tirar a cinta e deixá-la pronta no espaldar da cadeira eram quase piores para mim. É como quando alguém será enforcado. Se ele é realmente enforcado, morre e acaba tudo, mas se tem de presenciar todos os preparativos para o enforcamento e só fica sabendo do indulto quando o laço pende diante de seu rosoto, nesse caso ele talvez venha a sofrer a vida inteira por causa disso." (p.44 e 45)
"Quanto ela [a mãe] não sofreu conosco por causa de ti e contigo por nossa causa, sem contar os casos em que tu tinhas razão porque ela nos estragava com mimos, embora até mesmo esse 'estragar com mimos' por vezes pudesse ter sido apenas uma demonstração silenciosa e inconsciente contra o teu sistema. Por certo mamãe não teria conseguido suportar tudo isso, se ela não tivesse extraído do amor a todos nós e da felicidade desse amor a energia para suportá-lo." (p.53)

O último parágrafo, a opinião final de Kafka sobre sua "cartinha":

"Naturalmente as coisas não se encaixam tão bem na realidade como as provas contidas na minha carta, pois a vida é mais do que um jogo de paciência; mas com a correção que resulta dessa réplica, uma correção que não posso nem quero discutir nos detalhes, alcançou-se a meu ver algo tão aproximado da verdade, que isso pode nos tranquilizar um pouco e tornar a vida e a morte mais fáceis para ambos." (p. 96) 

Edição lida por mim.

9 comentários:

Marília Tasso disse...

Todos os livros de Kafka são em sua essência autobiográficos, todos marcam a sua personalidade complexa e confusa com o mundo em que vive. Carta ao Pai diria ser a autobiografia mais explicita, onde narra suas dificuldades, li vários livos dele, o último que li foi O Castelo que me perturbou. A Metamorfose um conto sombrio e uma critica a sociedade. Todos revelam a sua dificuldade em se misturar ao meio.

Kezia Martins disse...

Peguei esse livro ontem na Saraiva e fiquei na dúvida se comprava esse ou Metamorfose. Acabei comprando Metamorfose, mas esse continua na minha listinha de desejados :)
Beijinhos
fulanaleitora.blogspot.com.br

Taty disse...

Olá bem a historia parece interessante mas não é o gênero que gosto de ler

bjos

Unknown disse...

Parece interessante, é um livro que eu leria, quem sabe...
beijos! Ju - Céu de Letras

Unknown disse...

Ainda não li nenhum dos livros do Kafka, mas eu já peguei várias indicações como A Metamorfose, que foi o que mais atraiu minha atenção. Ainda não conhecia esse livro dele mas fiquei bem interessado, abrelação entre pai e filho é algo complexo e delicado e pelo o que você descreveu do livro ele mostra bem isso, mesmo o pai sendo o pior do mundo não dá pra odiar ele.
Abraços.

http://viciadoemlivrosefilmes.blogspot.com/

Unknown disse...

Olá!
Nunca li nenhum livro do autor, infelizmente. Parece um livro bem complexo e de difícil leitura, preciso dar uma chance pro estilo.
Parabéns pela resenha
Beijos

Andressa
umdiaacadalivro.blogspot.com
@umdiaacadalivro

Unknown disse...

Oi, tudo bem?
Eu nunca li algo do Kafka, nem sabia que ele tinha crescido já atormentado. Mas realmente, concordo contigo, o pai dele deve ter sido muito duro pra haver tanto rancor. Lembrou-me um pouco de "O Morro dos Ventos Uivantes", pois nunca li algo com tantos sentimentos ruins como naquele livro.
Beijos.

http://alanahomrich.blogspot.com.br/

Mariana disse...

Em geral eu não odeio nem amo clássicos. Acho que porque a maioria tem uma riqueza muito grande de conteúdo (como você disse, não se pode negar), mas por isso geralmente são utilizadas palavras mais desconhecidas e além disso requer mais atenção da nossa parte para com o livro.
É legal ler clássicos, geralmente as histórias são muito bem arquitetadas, mas a maioria tem uma linguagem mais horripilante (shsuhaush) e que nos obriga a estar 100% do tempo ligado em cada palavra. Mas pela sua resenha, esse livro parece valer a pena ser lido!

Beijos
Mariana Borges
www.galeriadasideias.com

Luene disse...

Bom, Kafka era incrível. Nunca li Carta ao Pai, mas já ouvi falar e todos que leem dizem o quanto é bom. Realmente, tenho que concordar com você que a palavra é muito importante na vida das pessoas, principalmente das crianças. Pode ajudar ou prejudicar.

Por outro lado li A Metamorfose e é incrível! Nesse livro podemos ver a relação conturbada que ele tinha com o pai, não tão direto - acredito eu - que Carta ao pai, mas está presente!

Beijos