"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Meu melhor borrão

            "The Way In Which We Change" - Nick Lepard

Eu ainda vejo suas coisas. E outro dia eu chorei por você. Fazia tempo que eu não dava vexame, dizem que bêbados sempre falam a verdade, não é? Olha, acho que eu quero que você, especificamente você, seja o motivo de eu estar sofrendo. Eu já desperdicei muitos amores. Eu já recebi poesias e cartas, músicas e filmes, vidas que podia ter vivido, mas não desperdicei a doação. Eu me doei e não me arrependo disto.

Eu sei que deixei em você, além de mágoa, raiva e decepção, também um sorriso decorrente de lembranças que, tenho quase certeza, vez ou outra aparecem (mesmo que em seguida com o sentimento de raiva) no seu cotidiano de coisas que eu que lhe apresentei, eu que lhe ensinei, eu que lhe dei. Eu tenho quase certeza que não pode ser que em tão pouco tempo seja possível livrar-se de mim assim.



Eu posso ser o ser mais desprezível, eu posso fazer você e qualquer um sofrer sem nem porquê ou talvez com porquês muito intensos, embora sem nexo, mas eu sei também - e espero não estar sendo (completamente) presunçosa afirmando isso - eu sei que eu te fiz sorrir demais. Eu sei que eu fiz você sonhar demais. Eu sei que alimentei demais isso tudo. Eu sei que fui muito muito cruel. E admito, eu procuro você de vez em quando, nas minhas memórias, nos meus cotidianos, no que aprendi, no que eu fiz, mas, sem falsa modéstia, eu percebi que eu me dei mais, eu deixei você maior, melhor... Não quero que me agradeça, mas espero que não fique o ódio, pois de mim você levou muitas coisas boas. Eu te dei pessoas, lugares, músicas, filmes, vivências, experiências... Hoje eu olho pra você e não consigo deixar de ver que eu... eu te criei. Você é minha criação.

Você é minha criação e mesmo que você mude, mesmo que tudo mude, mesmo que você tenha que reformular tudo: eu te marquei.

E dói, atrapalha minha respiração, me sufoca saber que eu te criei e eu te borrei. Você foi umas das pinturas mais bonitas que eu já fiz e o meu borrão melhor feito também. É tarde demais pra dizer isso tudo, não sou de voltar atrás, não sou de ligar mesmo que esteja chamando por você, não sou de desejar o mal, não sou de esquecer, mas sou de sofrer, mesmo que este venha tardio, esse sofrimento que eu quero nomear de falta. Falta sua.

Não vale mais a pena escrever coisa alguma sobre... E, se ler isso, não volte, não deixe de viver o que você está vivendo agora (como se quisesse), fique apenas com o sorriso de: "foi ela que me mostrou isso pela primeira vez". Que seja uma boa memória.

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