"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Quase Memória - Carlos Heitor Cony

Chorei e ri muito ao ler este livro. É uma delícia, um encanto...
A gente relaxa vendo as peripécias daquele pai engraçada, duro e maluquinho.
Recomendo


"Tempo que ficou fragmentado em quadros, em cenas que costumam ir e vir de minha lembrança, lembrança que somada a outras nunca forma a memória do que eu fui ou do que outros foram pra mim. Uma quase memória, ou um quase-romance, uma quase-biografia. Uma quase-quase que nunca se materializa em coisa real como esse embrulho, que me foi enviado tão estranhamente. E, apesar de tudo, tão inevitavelmente."

"Ele nunca avisava que ia trazer as resmas de papel fino, me pegava desprevenido, eu olhava o calendário, suspeitava que a grande noite estava próxima, mas nunca tinha a certeza da data. Nesse dia ele vinha mais cedo e me pegava acordado. Mas houve anos em que chegou mais tarde, noite alta. Sabendo que era uma festa, ele me acordava, embora minha mãe reclamasse, acordar uma criança por causa tão boba, os balões demorariam a ser feitos, haveria tempo para aproveitar aquilo tudo, ela não entendia que eu tinha pressa, e o pai também. Se tínhamos de ser felizes, queríamos ser felizes já."

"O pai não era de jogar nada fora. E o embrulho, com os meus trabalhos escolares, as provas, as composições, representava muito também para ele. Afinal, aquele material testemunhava um triunfo dele. Minha vitória, antes de ser minha, fora dele."

"Olhando o embrulho em minha mesa, procura um departamento, um setor, uma gaveta de via que não fosse clara, iluminada pelo seu formidável apetite de viver."

"(...) se despedia de tudo, dos balões, das técnicas, dos troféus, dos amigos, do canivete, dos filhos, de suas coisas todas, de suas tiras de papel que sobravam da velha Marinoni do Jornal do Brasil, de sua coleção de selos e flâmulas, de suas pedras pintadas de azul no sítio em Corrêas, uma despedida sem dor e sem lágrima, despedida de um caminhante exausto, fatigado de tudo, uma despedida geral e agradecida do camicase que doou a vida pelo objetivo de viver, viver tudo, inclusive o ato final, a despedida sem mágoa e sem rancor."




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