"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Carta para seguir em frente



Eu sei que você fez o que podia. Sei que você não queria ter feito o que fez, mas acredito na sua palavra. Não leio mentes nem sondo corações, mas creio que você tenha se arrependido, pois tu tens mania disso: de se arrepender muito de muitas coisas, tanto que às vezes até cansa, embora eu realmente acredite. Eu sei que você não voltou atrás por diversos motivos: a dúvida se era para realmente ser (se há a dúvida, deve ser?), o fato de não ter perdoado questões iniciais e ter "passado por cima" como se estivesse tudo bem e, principalmente, o perdão que você nunca daria (e ainda não deu) a si mesma. Olha, eu sei de tudo isso e, sinceramente, compreendo tua decisão, respeito e sei que tu tens certeza que era o melhor a ser feito.

Tu tens uma carcaça fria, um sorriso gelado que não deixa transparecer a dor e o medo, a tristeza. Teus olhos são sérios e rígidos, pétreos, tu és pedra, dura, implacável. Mas eu sei que por dentro tu te martiriza, se mata aos poucos, se apunhala. Hoje eu sei disso, mas  eu te recebi fria e indiferente, como se não doesse em ti como doía em mim, não entendia que o grito que agonizava em tua consciência te ensurdecia. Tu tens a razão em cada frase, sufoca tuas emoções e passa por cima do que não é certeiro, te joga num abismo de cálculos, previsões e certezas do que na tua cabeça tu acredita piamente que não vai: suportar, aguentar, levar e, nunca mais, querer mais.


Eu te compreendo e não consigo te aconselhar a ser diferente. Tu és assim mesmo: pés no chão e cabeça na lua. E quando te convém caminhar para outros lugares, tu costuma usar os pés, a racionalidade e tua santa brutalidade para deixar pra trás aquilo que um dia foi teu, porque acredita que não era pra ser e que quer outra coisa. Quando te convém sonhar, tua cabeça voa. E tu sonhas muito bem. Você tinha que ter se entendido primeiro, cuidado de si antes, antes de magoar, antes de matar, antes de trair, antes de entender que: teu tempo de recolhida ainda não tinha findando como havia pensado.

Eu te compreendo e sei que é difícil livrar-se da culpa que tu sentes. Mas, te peço, te aconselho e te digo (pois é o melhor e o certo a fazer): deixa esse peso para trás. Alinha teus pés e tua cabeça e caminha, com racionalidade e desejo, pra onde teus sonhos estão te levando, não importa quão alto seja. Voa. Caminha. Tu não tens mais culpa.

Eu sei, você errou. Foi feio, dolorido, implacável, infrutífero. Você matou, você feriu, magoou. A si e ao outros. Mas lembre-se: você se arrependeu, pediu perdão e, não esqueça, abriu mão de muita coisa também! Tu te recolheste por muito tempo num círculo completamente novo para deixar que o outro respirasse enquanto tu morria de falta de ar em sangues, corpos e músicas que hoje não fazem mais sentido nenhum, que nunca fizeram, mas foi o tempo que tu quiseste para deixar que o outro caminhasse. Ah, vontade. Eu sei das tuas vontades: queria que fossem amigos, pelo menos colegas, eu sei que tu tens carinho e admiração guardados em ti. Tu desejas que fique bem e por vezes se sente responsável como se dependessem também de ti a cura das feridas que deixaste, esquece isso, você não é a cura de ninguém. Vontades, deixe de ser mimada, que tuas vontades podem não ser atendidas, para de sentir culpa por isso e caminha em frente. Ouça o que você mesma diz: Ir, sobretudo, adiante.

Te perdoa, segue em frente, alinha teus passos, voa com tua cabeça em direção à lua, ao sol, aos sonhos. Caminha. Você esperou, não deixa passar. Escolha caminhar, a dor não é mais sua, não é mais você que a alimenta. Não é mais você a responsável. Não é mais teu o coração, a espada que continua cortando e transformando o corte na mais profunda dor, não está mais sendo enfiada por ti, não são tuas mãos que agora estão sujas de sangue. Sigam em frente todos. Cada um na sua vez. A sua chegou, não deixa passar.

Leia essa carta para seguir em frente.

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