"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

sexta-feira, 27 de março de 2015

Todo mundo quer uma Ruby Sparks

Ruby Sparks é a personagem (principal?) do filme "Ruby Sparks - A namorada perfeita" (2012). O filme gira em torno da história de um jovem escritor, Calvin, e seu grande amor, Ruby. Acontece que Ruby é, na verdade, criação de Calvin. Calvin tem muitas dificuldades de se relacionar e ultimamente anda tendo dificuldades para escrever também. Um dia ele sonha com uma moça e o seu psiquiatra sugere que escreva sobre ela. Qual não é a surpresa de Calvin quando certa manhã, ao acordar, Ruby está, em carne e osso, em sua casa.





De início ele acha que está louco, mas começa a se acostumar com a ideia ao perceber que todos ao seu redor podem vê-la também. Então, ora, ora... Ruby não é uma imaginação, e, agora, ele pode sentir, sem pudor e feliz, toda a paixão que ele estava sentindo por sua personagem que antes estava viva apenas no papel.



Bem, eu sou de contar spoiler facilmente, então acho que daqui posso partir para o que interessa:
Todos querem uma Ruby Sparks, não exatamente uma moça bonita, ruiva e meio louquinha... Todos querem, de verdade, a namorada perfeita, o namorado perfeito. 



Calvin tinha diversas vantagens  neste relacionamento: ele conhecia tudo sobre Ruby, afinal, ela era criação dele, e, mais do que isso, ele podia alterar o rumo das coisas. E aí que nós devemos nos perguntar: que tipo de relacionamento era esse que Calvin mantia? Que sentimento por Ruby era esse que ele nutria? O que, afinal, de contas, ele alimentava? Seu relacionamento ou suas aspirações e desejos?


Não sei por que raios o filme é classificado como comédia, por que não me parece nem um pouco engraçado ou romântico ver que alguém está completamente apaixonado por uma figura ideal, por uma idealização. E, pior, não reconhecer isso e querer que ela permaneça assim, intocável, perfeita dentro dos meus limites, regras e ideais. Apenas uma criação da minha imaginação: minha criação, minha/meu namorad@, minha relação. Enfatizando o sentido possessivo destrutivo de tudo isso.


Acontece que nem Ruby Sparks suportou tanta perfeição, pressão. Logo se sentiu sufocada, quis fazer outras coisas, conhecer outras pessoas... Calvin não permite que isso aconteça e ultrapassa os limites do que se pode chamar de ética.


Todos queremos uma ou um Ruby e todos temos, de certa forma, uma visão ideal da pessoa que queremos ao nosso lado sempre. Todas as manhãs, entretanto - cumprindo com eficiência o trabalho de fazer todas as coisas novas (não necessariamente boas) - nos deparamos com o não-ideal de cada um, inclusive de nós.


Não há problema em ter uma imagem ideal do que é um marido perfeito, o namorado, a namorada, o pai, a mãe, o escambau. O grande problema é não reconhecer que o ideal, o que vem da minha cabeça como perfeito, é apenas um ideal, nem sempre a realidade chega sequer perto dele, mas o melhor de tudo isso é que a realidade talvez seja melhor.

Para além da interpretação/hipótese da pessoa ideal que o filme nos faz pensar, pode-se falar também do desejo maléfico que um dia podemos ter, pode ser até sem perceber, de querer controlar quem está ao nosso lado. Ao escrever esta última frase, iria colocar a palavra controlar entre aspas, mas decidi que não, porque não é uma metáfora, afinal. É controlar mesmo. Pensei em trocá-la por manipulação, e pode ser isso também, assim como pode ser o dois, controle e/ou manipulação.


Poeticamente Ruby é controlada pela mente romântica e solitária de um jovem escritor genial. Ainda assim, ela é controlada. "Ah, mas ela é a imaginação dele!"... Será que isso justificaria? No filme fica mais fácil, mais didático, perceber isso, mas na vida real... como vemos estas coisas acontecendo? Será que nos damos conta de estarmos controlando ou sendo controlados? Será que nos damos conta daquela pessoa que realmente está ao nosso lado ou o que conheço dela é apenas o que conheço mais profundamente de mim mesmo e minhas aspirações?

Como perceber o quanto pode ser destrutiva uma relação onde não se tenha essa linha limite pra dizer o que não é do meu direito, o que não me diz respeito...? Qual o limite entre o ser UM e ser cada um, um, juntos? Qual dos "um" prevalece? 

E quando a imagem do outro vai sendo desfeita... É melhor do que eu pensava, esperava, idealizava?

Um comentário:

Vanessa Carneiro disse...

O interessante no filme é que no final o cara percebe que mesmo criando a namorada perfeita não dá para criar o relacionamento perfeito que amor não é algo que pode ser simplesmente fabricado. E só então ela a liberta e somente quando a Ruby se torna livre é que eles começam a ter uma real oportunidade de construírem algo juntos.