"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Feminismo - Cristianismo - Desconhecimento




Não sou uma teórica a respeito do feminismo, não tenho todas as leituras essenciais do mundo, mas me interesso pelos assuntos a respeito de gênero, e se você lê meu blog já deve ter percebido que vez ou outra escrevo algo a respeito, geralmente de tom pessoal, mas, enfim, são questionamentos que acredito que não sejam apenas meus. Bem, hoje vim aqui tecer uma crítica a uma crítica, não é nada muito elaborado, mas apenas a título de informação mesmo.

A crítica que tecerei é a respeito deste texto:



"UM BREVE COMENTÁRIO SOBRE O FEMINISMO (Por Talita Martins, minha esposa) [esposa dele]
O feminismo é totalmente antibíblico, é impossível alguém que entenda e se preocupe em viver de acordo com as escrituras aceitar tais idéias, principalmente porque vão contra o que Deus criou, homem e mulher não foram feitos para serem melhores ou piores muito menos pra competirem ou degladiarem entre si.
O feminismo têm destruído a beleza de ser mulher, o propósito de Deus foi fazer uma auxiliadora para o homem, que lhe fosse idônea...isso significa que ambos tem funções diferentes mas que se completam, que a mulher tem papel fundamental na sociedade, mas que não precisa virar um machinho rebelde pra provar isso!
Que o homem foi feito sim para ser um líder na família, um líder de caráter, servidor, que chama a responsabilidade para si, que se doa, que acolhe e por isso a mulher que vive ao lado de um líder assim tem prazer em ser submissa, porque é bom ser cuidada, amada, protegida e até paparicada, porque é muito bom sim, saber que a responsabilidade principal não é dela, é muito mas muito bom ter um abraço bem apertado de alguém mais forte que foi feito com maior estrutura pra agüentar o tranco quando as coisas apertam...
Infelizmente a culpa do feminismo é também de muitos homens... Homens que não foram pais acolhedores, protetores, que não foram maridos fiéis, amáveis, responsáveis, que de certa forma deixaram suas filhas e mulheres a mercê do mundo... O que precisamos entender é que tudo isso é fruto do nosso pecado e da visão errada que a nossa sociedade tem do que Deus planejou. Homem e mulher foram criados iguais, a imagem e semelhança de Deus mas com funções diferentes para que se completassem em suas fraquezas e que através disso pudessem desfrutar da completa felicidade para glória do seu criador."

O texto foi super compartilhado, curtido e comentado. Muitos comentários a favor, inclusive. E esta é a minha preocupação: não é o fato de algumas pessoas concordarem com tudo que o texto diz, mas de concordarem sobre algumas coisas que foram ditas como se fossem parte do feminismo em si, mas que de fato não é,  as pessoas concordam sem nem primeiro saber quais as fontes alguém teve para escrever um texto criticando e o pior: as pessoas escrevem sem nem primeiro entenderem. Eu considero muito grave alguém escrever sobre algo que não tem conhecimento. O mínimo é fazer algumas leituras e questionamentos, e não saí por aí fazendo conclusões sem primeiramente entender a base do que está falando. Não é assim que aprendemos na universidade, por exemplo: ler o que o outro está escrevendo, refletir e aí então criticar?

Pois bem, vamos agora aos erros do texto a respeito do feminismo:

1º Parágrafo: "[...] homem e mulher não foram feitos para serem melhores ou piores muito menos pra competirem ou degladiarem entre si."

O feminismo em si não foi criado para degladiar contra os homens. E sim contra um sistema opressor. É básico do básico. A ideia feminista não é brigar contra os homens nem tornar a mulher mais importante que eles, mas lutar por uma igualdade de direitos. Então, 1ª lição: o feminismo não prega competição entre homens e mulheres. Isso pode acabar acontecendo, porque se os homens têm mais vantagens no mercado de trabalho, por exemplo, e as mulheres começam a se mover para ter as mesmas oportunidades, então fica parecendo que há uma competição, mas não é isso, não é algo do tipo: quero ficar no primeiro lugar, mas sim: quero ter as mesmas chances de chegar ao primeiro lugar, competir com as mesmas chances, de forma justa. Lembrem-se: igualdade de direitos.

2º Parágrafo: "[...]isso significa que ambos tem funções diferentes mas que se completam, que a mulher tem papel fundamental na sociedade, mas que não precisa virar um machinho rebelde pra provar isso!"

Essa foi a coisa mais terrível que li neste texto, e por uma coisa muito simples: foi uma conclusão baseada num estereótipo preconceituoso. O feminismo não fala que as mulheres precisam se tornar uns machinhos rebeldes para provar que têm papel importante na sociedade, aonde tem dizendo que a mulher tem que se tornar um machinho, ficar largadona? Acontece que nós temos um estereótipo de feminilidade: a mulher tem que ser delicada, gentil, educada, falar baixo, ser elegante... E aí quando alguma aparece questionando algo, ela quebra isso. Então ela se torna o "machinho rebelde". Sério, isso foi não só a imagem de um estereótipo a respeito de mulheres que lutam por seus direitos, como extremamente ofensor. Existem muitas mulheres por aí que estão lutando sim todos os dias para provar que são racionais nas suas escolhas no trabalho, para provar que conseguem ser mães e trabalhar, para provar que conseguem ser mães, chefes e auxiliadoras, e não viram machinhos rebeldes por causa disso. Continuam mulheres. Chamar de machinhos rebeldes todas as mulheres que se consideram feministas me parece uma atitude semelhante a chamar todos os pastores e políticos de ladrões.

3º Parágrafo: "Que o homem foi feito sim para ser um líder na família, um líder de caráter, servidor, que chama a responsabilidade para si, que se doa, que acolhe e por isso a mulher que vive ao lado de um líder assim tem prazer em ser submissa, porque é bom ser cuidada, amada, protegida e até paparicada, porque é muito bom sim, saber que a responsabilidade principal não é dela, é muito mas muito bom ter um abraço bem apertado de alguém mais forte que foi feito com maior estrutura pra agüentar o tranco quando as coisas apertam..."

Sobre esse parágrafo, eu tenho questionamentos na verdade. É que me incomoda muito ver o papel da mulher restrito a apenas ser "submissa, porque é bom ser cuidada, amada, protegida e até paparicada". Será que os homens também não precisam ser cuidados? Idoneidade vem do hebraico, “neged”, com o sentido de  “corresponde a”, auxiliadora vem da raiz hebraica  'ezer', e tem o sentido de: “alguém que está junto” – “alguém que está ao lado de” –“alguém sempre pronto para ajudar”. A ideia geral bíblica é que Deus fez o homem e a mulher iguais perante a Ele, eles têm suas diferenças, claro, mas estas são complementares, a mulher foi feita depois do homem porque Deus viu que não seria bom ele ficar sozinho, precisava de alguém que lhe fosse idôneo, alguém que lhe complementasse, e criou a mulher. As mulheres precisam dos homens e os homens precisam tanto quanto das mulheres, não é maior nem menor, não é melhor nem pior, não é mais duro nem mais leve, nossa mente ocidental acaba sempre dicotomizando as coisas: razão x fé, homem x mulher, religião x ciência, natural x material, divino x mundano.. Quando na verdade deveria ser razão - fé, homem - mulher, religião - ciência, natural - material, divino - mundano: são relações! Mas sempre dicotomizamos as coisas, é isso que causa muita confusão. Então, mesmo que tenhamos a ideia de complementar parece que a gente não cansa de dizer que o de um é principal e o outro apenas secundário. Ser a auxiliadora é estar ao lado, isso não significa que nós estamos ali para sermos paparicadas, amadas e protegidas, por favor, isso é restringir demais o papel da mulher! Significa dizer que devemos estar ali nos momentos difíceis e fáceis, inclusive nos momentos em que nós é que vamos proteger de certa forma, amar mais ainda e cuidar. Muitas vezes (e apesar de eu não ser casada, já passei por situação que considero semelhantes) quem dá o abraço apertado quando as coisas apertam são as mulheres, e isso não significa que o homem não está fazendo o seu papel, mas é também o nosso papel: nós não estamos aqui para estar ao lado, para complementar? Casamento não se trata de autoritarismo, de ideia de hierarquia, liderança não é isso, casamento trata-se de companheirismo. O que é mais complementar do que ser companheiro do outro? Muitas críticas a respeito do feminismo são fundadas nas ideias de igualdade de papéis, eu mesma questiono isso, porque não creio que os papeis sejam os mesmos, no casamento, por exemplo, acho que algumas coisas o homem tem que fazer e outras as mulheres (não estou falando das tarefas domésticas! Lavar louça não te torna menos homem!) e muitas feministas podem ler este texto aqui e dizer que sou machista, mas é uma convicção minha, e o feminismo não me obriga a aceitar tudo, porque a base dele é, repito, a igualdade de direitos. Podemos achar que é uma coisa muito "Meu Deus, as coisas nem são assim mais..." Mas isso não é verdade, a diferença é que hoje elas são um pouco mais sutis aqui no nosso país, mas em outros ainda está escancarada a desigualdade de oportunidades para homens e mulheres. De uma mulher ser chefe, de uma mulher ser líder numa empresa, de uma mulher ter pós doutorado, ter sequer acesso à educação básica... Enfim, essas coisas. Sobre ser submissa, lembremos, a palavra submissão tem origem no grego upotassomenai que quer dizer estar em sujeição. E etimologicante, sub, é estar em baixo, base, e missão, é vocação, profissão, algo a que você se dedica, logo: ser a base de alguém, de um missão, ou, alguém em missão. Em nossos dicionários temos vários outros significados para esta palavra (é bom saber discernir etimologia e origem de significado, às vezes atribuímos um significado completamente diferente da etimologia e/ou da origem da palavra em si): ato ou efeito de submeter-se, submeter-se a uma autoridade, lei ou força, obediência voluntária, subordinação, disposição para aceitar um estado de dependência, docilidade, estado de rebaixamento servil, subserviência... Os significados mais apropriados à noção de complementar que o casamento e a relação de homem e mulher no geral dá, é a de obediência voluntária, a de disposição para aceitar um estado de dependência, a etimologia também ajuda muito: estar debaixo da missão do outro, no sentindo de base, "sub". Só que tanto a maioria das feministas como, infelizmente, muitos cristãos, entendem a submissão como subserviência, rebaixamento servil. Este é o grande problema. E vai ser assim mesmo, porque Cristo veio trazer quebra de paradigmas. A nossa ideia de liberdade não é a mesma que quem não conhece tem, assim como a ideia de dependência, de submissão, de autoridade, de liderança... e enfim. Ser submissa não é ser cuidada, amada e protegida, muito menos ficar calada quando algo está errado, mas ser a base do outro, ajudá-lo.

4º parágrafo: "Infelizmente a culpa do feminismo é também de muitos homens... Homens que não foram pais acolhedores, protetores, que não foram maridos fiéis, amáveis, responsáveis, que de certa forma deixaram suas filhas e mulheres a mercê do mundo... O que precisamos entender é que tudo isso é fruto do nosso pecado e da visão errada que a nossa sociedade tem do que Deus planejou. Homem e mulher foram criados iguais, a imagem e semelhança de Deus mas com funções diferentes para que se completassem em suas fraquezas e que através disso pudessem desfrutar da completa felicidade para glória do seu criador."
Foi o único parágrafo que não foi mal escrito.

Este post foi escrito com a intenção de apenas deixar claro algumas coisas que não são de fato do feminismo em si, são mais na verdade posturas pessoais. Eu faço uma analogia com relação a igreja. A instituição social igreja (não a Igreja invisível) vem sendo a cada dia que passa questionada e desacreditada, por causa de escândalos, de sistemas opressores, de afastamento da própria Escritura e muitas outras coisas, mas nós, que somos cristãos, e algumas pessoas sensatas, não julgamos todas as igrejas porque sabemos a base dela e porque sabemos que estas que fazem coisas erradas são uma parcela que não representam o todo e muito menos representam a essência do Evangelho em si. O mesmo vale para o feminismo em si, para quem não sabe, eles tem várias escolas e correntes, ou seja, assim como nós cristãos, uns calvinistas, outros não, uns tradicionais outros pentecostais, o feminismo também tem suas divergências. Aí me falam: mas a base dele é errada. Ok, que falem sobre a base, mas que pelo menos, saibam qual é a base! Esta é a minha crítica ao texto, pelo menos ter um mínimo de conhecimento sobre o que é feminismo para criticá-lo com argumentos sólidos e não apoiando-se em estereótipos e nem generalizando desta maneira.

Podemos criticar tudo, escrever sobre tudo, mas tudo com um mínimo de bom senso de primeiro pesquisar um pouco, não acham? Eu discordo de muitas tópicas que outras muitas feministas levantam a bandeira, por exemplo, aborto. Mas tem coisas que eu não tenho como não me identificar e não questionar também, afinal de contas, eu nunca vou concordar que uma mulher ganhe menos se faz o mesmo trabalho ou a mesma tenha dificuldades para estudar. Mais uma vez repito: pode ser uma realidade distante da gente, mas, como eu disse, algumas coisas só são mais sutis, nos lugares de menos acesso à informação muitas coisas assim ainda acontecem, até nas próprias famílias! Os homens que concordam com a igualdade de direitos para as mulheres de certa forma também são feministas, e, calma rapazes, vocês não estão se tornando machinho de esquerda, vocês não estão cometendo nenhum pecado, porque vocês não precisam concordar com tudo, não são obrigados a levantar bandeira nenhuma! É uma questão de justiça apenas, um bom homem cristão vai concordar que as mulheres tenham direito a estudo, trabalho, escolhas... Isso não é antibíblico! Você pode discordar do ordenado feminino, nem eu, que sou mulher, concordo (bem, até agora não concordo), e cortar cabelo, de tantas outras coisas, mas de oportunidades e direitos básicos não. Não se trataria mais nem de ser feminista ou não, mas de ser cristão mesmo.

Deixo aqui alguns textos que eu indico e que foram indicados também, saibam reter o que é bom de cada um, como a Bíblia nos ensina:

Revista Estudos Feministas - da Universidade Federal de Santa Catarina
do Instituto da Psicanálise Lacaniana:

Textos daqui do blog:











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